As Paralimpíadas, além de entregarem grandes competições esportivas, abrem portas para múltiplos debates e aprendizados. Inclusive para a forma como nos comunicamos e como nos referimos a atletas paralímpicos e a pessoas com deficiência ou neurodivergentes no dia a dia. É urgente refletirmos e discutirmos o capacitismo na comunicação.
A linguagem reflete a visão de mundo, os valores, a cultura e a personalidade de um indivíduo. Tem também o papel de gerar identificação e pertencimento. Por isso, precisamos ficar sempre alertas para que o modo como nos comunicamos não seja um reforço para preconceitos e rotulação de grupos e pessoas.
Vem, então, entender mais e aprender a combater o capacitismo na comunicação.
O que é capacitismo?
Um termo relativamente novo para algo antigo: o preconceito contra pessoas com deficiência. A palavra capacitismo vem da classificação de pessoas com base em suas capacidades, como se locomover, ver e ouvir, e da inferiorização de quem apresenta deficiência em relação a essas aptidões.
Somado a isso, há a redução de um indivíduo a uma única característica, como se uma deficiência o anulasse como ser humano. Na realidade, temos o oposto: com ou sem deficiência, pessoas são maiores que um único aspecto ou uma única capacidade.
Como o capacitismo se manifesta no dia a dia?
Não se trata de atitudes isoladas ou casos raros. Pode-se considerá-lo como um sistema de opressão, que se pauta na hierarquia entre grupos e que na prática é como se as pessoas dos grupos minorizados não “coubessem na sociedade”.
Não “caber na sociedade” se manifesta: em uma arquitetura que não oferece segurança e conforto a quem tem mobilidade reduzida, na ausência de braille nas teclas de um computador, na falta do ensino de Libras nas escolas, na naturalização de piadas pejorativas, entre tantos outros exemplos. Tudo isso é espelhado na comunicação e nas relações, inclusive nas de trabalho e de consumo.
Como eliminar o capacitismo na comunicação?
Bem como outras questões estruturais, ele está presente na nossa linguagem e, por diversas vezes, passa despercebido em palavras, termos e comportamentos que carregam sentidos pejorativos. Então, hora de aprender a combater o capacitismo na comunicação.
Tome cuidado com a infantilização
Você já reparou que é comum tratar uma pessoa com deficiência como se ela fosse criança? É aquela voz que sai mais doce, é falar pela pessoa como se ela não pudesse fazer isso, ou ter um cuidado excessivo, dando a entender que determinada tarefa está muito além do que ela consegue realizar.
“Ah, mas eu queria só ser gentil”. Sim, por muitas vezes a intenção é boa. Mas para que de fato você seja gentil, é preciso entender como a pessoa gosta de ser tratada, como ela se comunica e como você pode ser útil sem invadir o espaço dela. Assim como devemos fazer com pessoas sem deficiência. Se a conversa é com um adulto, por que tratá-lo como criança?
Não trate pessoas com deficiência como coitadas
A empatia é fundamental para as relações e deve ser usada mais ainda quando você está lidando com uma realidade diferente da sua. Isso não tem nada a ver com interpretar o outro como vítima ou coitadinho.
Não é bacana para uma pessoa com deficiência ser vista com pena. Não a empodera nem a incentiva. Observe as palavras que usa, a entonação e a linguagem em si, para não transmitir dó.
Você deve ter atenção principalmente à sua comunicação não verbal. O olhar, o semblante, a postura, que expressam suas percepções sem você dizer uma palavra sequer.
Pense bem se seu elogio é um elogio mesmo
Elogiar significa reconhecer bons atributos de alguém, certo? Então, tenha bastante cuidado ao fazer elogios a uma pessoa com deficiência. Ainda que não seja sua intenção, há o risco de reduzir o indivíduo à deficiência, de reforçar estereótipos e de magoar quem recebeu o tal “elogio” — além de demonstrar uma comunicação passivo-agressiva.
Vamos de exemplos:
“Você é tão bonita que a gente até esquece que você não tem braço”. Por que não dizer apenas “você é tão bonita”?
“Seu filho tem síndrome de Down, mas é tão inteligente. Parece uma criança normal”. Por que não ressaltar somente a inteligência da criança?
“Admiro muito sua coragem. Eu, no seu lugar, nem sairia de casa”. Você poderia dizer: “Admiro sua forma de lidar com os desafios”.
“O atleta corre tanto, que nem parece manco”. Simplesmente elogie a velocidade e o desempenho do atleta.
“Vemos aqui um grande exemplo de heroísmo e superação”. Comentários como esse são frequentes durante as Paralimpíadas. A intenção pode ser boa, só que ao colocar pessoas com deficiência em posição de heróis e heroínas, mais uma vez as exclui. São indivíduos como quaisquer outros, com desafios, conquistas, gostos, personalidade, qualidades e defeitos.
Assista ao relato de Rosana Bastos no Tedx BH, em que ela fala sobre essas e outras questões na perspectiva de uma pessoa com deficiência.
Substitua palavras e expressões de cunho capacitista
A popularização das discussões acerca do capacitismo é recente, então é natural termos dúvidas e desconhecermos um ou outro termo. Contudo, é preciso um esforço coletivo para que a linguagem em geral seja uma ferramenta de comunicação, e não de discriminação.
Isso atravessa nosso vocabulário, o sentido das palavras e a forma como usamos cada uma delas. Palavras como surdo-mudo, ceguinho, retardado, aleijado e outras dessa natureza devem ser riscadas da sua comunicação.
No quadro, temos exemplos de expressões capacitistas comumente usadas e sugestões de substituição:
Troque isto… | … por isto |
Presta atenção, você está surdo? | Você me ouviu? |
Ele tem a cabeça na lua, deve ser autista. | Ele está distraído. |
Dar uma de João sem braço. | Se fazer de desentendido. |
Nem percebi que ela é deficiente, parece normal. | A substituição para essa frase é não dizer essa frase, ok? |
Abstrai e finge demência. | Abstraia. // Finja que não entendeu. |
Estamos sem braços para essa tarefa. | Estamos sem recursos para essa tarefa. |
Perguntas e comentários para não fazer
Listamos comentários e perguntas que, além de invasivas e desrespeitosas, são exemplos de capacitismo na comunicação. Confira!
Você já nasceu assim ou foi acidente?
Mas, assim, você já consultou outro médico? Talvez seu problema tenha cura.
Pare de reclamar da sua vida. Quanta gente não tem um braço, uma perna, não consegue fazer nada…
Mais alguém da sua família tem esse problema? Já ouvi dizer que pode ser genético.
Hum, será que esse bebê também vai vir com problema?
Coitado, perdeu a visão. Acabou a vida dele.
Outra atitude para evitar sempre: associar as condições ou características de uma pessoa à fé, à religião, ao posicionamento político ou a demais aspectos polêmicos e que cientificamente não têm relação com nenhum tipo de deficiência.
Aprenda os termos corretos para se referir às pessoas com deficiência
Há formas e palavras corretas que permitem fazer menção às pessoas com deficiência de maneira ética e respeitosa. Trouxemos exemplos:
Em vez de… | Use |
Deficiente, portador de deficiência, especial ou portador de necessidades especiais. | Pessoa com deficiência. |
Surdo-mudo. | Surdo ou pessoa com perda auditiva. |
Normal. | Pessoa sem deficiência ou pessoa neurotípica. |
Doido, louco, maluco. | Imprevisível, inconstante, estranho (lembre-se de avaliar o contexto). |
O local está parecendo um hospício. | O local está caótico. |
Anão ou anãozinho. | Pessoa com nanismo. |
Sempre que tiver dúvidas, pesquise, procure saber e pergunte respeitosamente. Você perceberá como isso faz toda a diferença.
→ Dica de material: o Governo Federal criou uma Cartilha de Combate ao Capacitismo, com explicações e exemplos. Vale a pena conferir.
Por fim, além do aspecto mais óbvio, que se refere ao respeito a todas as pessoas, combater o capacitismo na comunicação é uma demonstração de maturidade e de que você realmente sabe se comunicar com todas as pessoas, nos mais variados contextos.
Já para as organizações, comprova que a empatia e o compromisso com a agenda da diversidade, equidade e inclusão são parte da prática, dos valores e do dia a dia, para muito além do discurso.
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